Desenho como Questionamento
Distintas dimensões de planos e projetos urbanos
O presente trabalho é fruto de uma pesquisa de pós-doutoramento junto à Universidade Federal do Rio de Janeiro em seu Programa de Pós--Graduação em Arquitetura – PROARQ/FAU-UFRJ – realizada entre os anos de 2015 e 2016.
Refletir sobre o planejamento, a gestão e o desenho urbano resultante.
Este foi o campo de força que sempre conduziu as pesquisas de que participei, assim como a experiência docente em con-comitância com a prática profissional. Neste trabalho o “Desenho” é o protagonista. Toma-se a concepção de “Desenho” como linguagem, meio de expressão, forma de raciocínio, instrumento de reflexão que provoca questões não percebidas, que lança hipóteses não imaginadas. Desenho como provocação, como questionador de possibilidades já projetadas, mas ainda não construídas.
Objetiva-se discutir o Desenho como ele-mento provocador de entendimentos da realidade. Por esse motivo esta publicação utiliza fartamente o croqui como linguagem. Como resultado apresenta, por meio de textos e croquis, os conceitos e casos práticos em que distintas posturas e formas de utilização do desenho se apresen-tam: seja como instrumento de reflexão, de entendimento da realidade ou de ação do arquiteto urbanista.
Cabe dizer que é a partir do estudo do espaço público, livre de edificações, que as questões serão problemati-zadas. A experiência profissional vivenciada em projetos urbanos e de urbanização de favelas possibilita a formulação de uma reflexão a respeito dos papeis do desenho na prática do planejamento urbano e da paisagem. Espera-se contribuir para aprofundar o questionamento do significado do desenho na construção do conhecimento do arquiteto urbanista, de forma que nosso papel social fique também mais claro para a sociedade.
Prefácio
por Prof. Dr. Luiz Carlos Toledo
Este é um livro de muitas leituras, daí a dificuldade de prefaciá-lo.
Recomendo ao leitor que escolha um fim de semana prolongado e chuvoso, com poucas distrações, para lê-lo sem interrupções, foi assim que fiz, com a diferença que, neste Sete de Setembro, havia sol e eram muitas as distrações e, se o livro não fosse tão bom, teria sucumbido aos encantos do sítio Alecrim, onde tantas vezes privei da companhia do autor.
Terminando de ler, caro leitor, não adianta colocá-lo na estante, ele é um livro de cabeceira, aquele a que recorremos na falta de inspiração ou quando temos alguma dúvida sobre um projeto em andamento, pesquisa que se inicia ou uma aula a preparar.
Nos cinco capítulos e na conclusão, textos e desenhos nos oferecem muitas das respostas que necessitamos na solidão do ato de criar.
Nesses momentos, para mim, livro e autor se confundem, é como Jonathas estivesse de novo, repartindo comigo suas reflexões e experiências durante os inúmeros planos e projetos que fizemos, nos povoados de Rondônia, nas Cidades Serranas do Espírito Santo ou na Favela da Rocinha, no Rio de Janeiro.
A entrega total do autor à sua obra, seja ela um plano diretor, um artigo ou uma aula, é uma das características de Jonathas que mais aprecio e que, neste livro, se traduz na beleza dos desenhos - croquis - projeto gráfico e num texto tão enxuto quanto claro.
O leitor mais atento perceberá a delicada articulação entre texto e desenho, que difere, em muito, do caso em que este é apenas uma ilustração. Aqui, o caso é outro, os desenhos e croquis têm potência superior, são eles, muitas vezes, o ponto de partida das reflexões, ideias e conclusões contidas nos textos.
O leitor também perceberá que tanto os textos como os desenhos e croquis são produzidos com uma grande economia de palavras e de traços que revela o domínio do autor nas questões de planejamento, em suas diferentes escalas de atuação e seu talento como desenhista.
Finalizo este pequeno prefácio revelando uma particularidade do autor, que me faz cogitar se O DESENHO COMO QUESTIONAMENTO começou a ser escrito há muitos anos atrás.
Quem conhece Jonathas sabe que ele tem sempre junto a si um caderno onde faz anotações de projetos em andamento, registra ideias para novas pesquisas, esquematiza palestras e aulas, escreve poemas, faz croquis, gráficos, cronogramas e, vez por outra, capricha num desenho mais elaborado.
Não sei quantos cadernos existem hoje, nem o que faz com eles, mas, admito envergonhado, que várias vezes senti a vontade de surrupiar, pelo menos um, de tão bonitos que são.
Ao receber as provas para escrever o prefácio, percebi certa semelhança entre estas e os cadernos de que tanto gosto, o suficiente para concluir que o livro que você, amigo leitor, tem em mãos começou a ser escrito há muitos anos atrás, desde o primeiro caderno que Jonathas preencheu, com pensamentos
e muito talento
Introdução
Um momento de reflexão. Este texto é o imã do qual me apossei para depositar as ideias, os olhares, os conflitos, as dúvidas, as provocações, as posturas, enfim, o conhecimento que fui construindo pela prática profissional e acadêmica. Construção feita de forma coletiva por meio de vários interlocutores, sendo que os principais se encontram explicitados nos agradecimentos desta publicação, fruto de uma pesquisa de pós-doutoramento realizada na Universidade Federal do Rio de Janeiro em seu Programa de Pós-Graduação em Arquitetura – PROARQ/FAU-UFRJ – entre os anos de 2015 e 2016. Não tivesse me aproximado da academia, este momento não ocorreria. Lecionava desde 2000, entretanto foi a partir de 2009 – como docente e pesquisador no Programa de Pós-Graduação em Urbanismo e Arquitetura da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PosUrb-Arq/PUC-Campinas) – que tive a oportunidade de me aprofundar, por meio das pesquisas, na reflexão sobre a prática profissional e o contexto brasileiro. O pós-doutoramento, apoiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), foi o ambiente que possibilitou tempo e espaço adequados para a sistematização deste material.
Este trabalho dialoga com a pesquisa “A Educação do Olhar” coordenado pela professora Dra. Maria Angela Dias do PROARQ/FAU-UFRJ, que explorando o método intitulado “Gramatica da Forma”, lança olhares para desvendar os padrões encontrados na cidade e em assentamentos precários (DIAS, 2013). De uma forma colaborativa o texto busca problematizar alguns papeis assumidos pelo desenho ao longo da prática acadêmica e profissional.
Refletir sobre a ação do arquiteto urbanista e o desenho que engendra os espaços públicos. Este foi o campo de força que sempre conduziu a pesquisa e a docência em concomitância com a prática profissional. Lados que se aproximam e se afastam no caminhar e que carregam em suas gêneses algo comum: o querer intervir na construção social e, portanto, na transformação da paisagem.
Mas como provocar deslocamentos com a ação acadêmica ou profissional? Considerando que a sociedade brasileira – hierárquica, patrimonialista, mediada pelo favor e cunhada pela condição de colônia que carrega na sua origem as relações escravistas da força de trabalho – transforma a cidade simultaneamente na esperança e no algoz daqueles que dela se aproximam (SWARTZ, 2009). Daqueles para quem o direito à cidade é despossuído de significado prático no viver do dia a dia. Interferir seria Idealismo? Teria um trilho Ideológico? Todos nós somos movidos por ideais, entretanto não nos servem nem as ideias utilitárias para a manutenção da lógica dominante, nem ideias forjadas nas amarras de pensamentos aparentemente contestatórios e libertários, mas que na realidade nos cegam ou nos imobilizam.
Reconhecer a forma de reprodução do capital, conhecer seus mecanismos, seus efeitos sociais e consequentemente o espaço segregado resultante não nos possibilita, sem esforços adicionais, provocar deslocamentos na concepção de Stuart Hall (2000).
É certo que a tentativa de intervenção no espaço sem o conhecimento de sua lógica de reprodução ou sem compreender o contexto social em que se está inserido, é assumir o papel de fantoches, que confundem movimento cordato com autonomia. A ação propositiva está na essência da atividade do Arquiteto Urbanista que busca a transformação por meio do traço, do desenho, do projeto, do plano. Como utilizar o desenho? Como a linguagem se transforma em um modo de pensar? Como revelar as contradições por meio do desenho de forma a provocar questionamentos entre os interlocutores? Como desconstruir certezas? Como usar o Desenho como provocação? Como introduzir essas posturas nas salas de aula das nossas graduação e pós-graduação? Estas são as questões que norteiam esta publicação.
A área de Arquitetura e Urbanismo no Brasil é demasiadamente recente. Suas primeiras graduações datam de meados do século XX. Nas últimas seis décadas, foram feitos enormes esforços para entender o significado das construções de cidades. A quem interessa? Por que interessa? Quem ganha? Quem perde? Quais contextos urbanos cunharam a cidade que conhecemos hoje? Quais tipos de processos foram criados recentemente? Por meio das pesquisas realizadas na área de arquitetura e urbanismo as respostas avançam lentamente e explicam a cidade que conhecemos como fruto da disputa de diversos atores. Sem esses avanços não teríamos a fundamentação teórica necessária para a prática de pesquisas, projetos e planos urbanos. O presente trabalho apoia-se na construção coletiva da área de conhecimento e objetiva trazer como contribuição a discussão de métodos onde a prática empírica traz à tona elementos das contradições que auxiliam o desenho e a cidade desenhada.
O “Desenho” é o protagonista. Toma-se a concepção de “Desenho” como linguagem, meio de expressão, forma de raciocínio, instrumento de reflexão que provoca questões não percebidas, que lança hipóteses não imaginadas. Desenho como provocação, como questionador de possibilidades já projetadas, mas ainda não construídas. Trata-se de conhecer, por meio do desenho, as distintas dimensões de planos e projetos, frutos do trabalho de arquitetos urbanistas e demais profissionais que intervêem sobre o espaço (social e físico).
Esses profissionais têm como finalidade última a intervenção no processo de construção social tomando o espaço em sua dimensão física e de interação social. Objetiva-se discutir o Desenho como elemento provocador de entendimentos da realidade.
Por esse motivo esta publicação utiliza fartamente o croqui como linguagem. O desafio é apresentar conceitos, posturas e procedimentos metodológicos utilizados na prática de desenvolvimento de planos e projetos urbanos ou na análise e síntese das pesquisas empíricas sobre o território.
No Capítulo 1, intitulado “Desenho como provocação”, apresenta-se o início da construção de um arcabouço teórico a respeito do uso do desenho na prática profissional do arquiteto urbanista. Diferentes papéis são abordados de forma sucinta na busca de abrir a discussão aprofundada nos demais capítulos. Toma-se como pressuposto que, para a área de Arquitetura e Urbanismo, os papeis do desenho foram se transformando e tornando-se este complexo, multifacetado e às vezes ambíguo, tendo sido, por isso mesmo, às vezes renegado a um segundo plano e por outras vezes tomado de forma equivocadamente idealizado como solução de problemas.
No Capítulo 2, “Desenho como instrumento do olhar”, analisa-se o desenho como instrumento de leitura das dimensões físicas e de seus elementos morfológicos na busca da compreensão dos processos sociais que geraram as formas percebidas. Ancora-se em experiências de leitura de espaços urbanos que ficaram à margem da cidade formalmente planejada. São as favelas, lugares construídos pela necessidade de seus moradores, onde pactos e lógicas locais possibilitaram sua existência, mesmo que precária: sem infraestrutura, sem a prevalência do interesse público, sendo desconsiderada por muito tempo pelo planejamento e pela legislação urbanística. Esses espaços estão carregados – como qualquer outro espaço urbano – de significados, coerências e contradições. Entretanto, para analisar os espaços das favelas – ou qualquer outro espaço urbano em que predominem culturas urbanas distintas das nossas – é necessário despir-se de um olhar pré-concebido, razão pela qual nos interessa tomar esses espaços como exemplo. Lugar que, para ser compreendido, utiliza o desenho como registro, como indagação, como questionamento do olhar. Portanto, o desenho é visto como algo além de mero instrumento de representação.
Adentra-se no domínio dos processos que configuram e dão sentido a lugares. Para tratar dessa concepção de desenho o Capítulo 3, “Desenho e leitura das dimensões sociais e políticas”, baseia-se nas experiências de práticas profissional e acadêmica em que foram desenvolvidos métodos, durante o processo de análise e concepção do espaço urbano, que objetivaram a compreensão da coexistência de interesses contraditórios de diversos agentes no momento do planejamento e do projeto. São construções coletivas, usualmente chamadas de “processos participativos”, termo que vai aos poucos caindo em descrença pela precariedade de sua prática e a subordinação conceitual em que se encontra no sistema capitalista. Entretanto a participação se faz necessária e é inegável que o espaço urbano seja de fato produzido por diferentes agentes com lógicas e interesses diversos. Espera-se que numa sociedade igualitária ao menos esses interesses contraditórios necessitam ser debatidos e questionados. Mas na realidade muitos “processos participativos” fogem da contradição e se acanham – até virarem superficiais “ações informativas”. De qualquer forma é necessário considerar os limites de um “processo participativo”. Acreditar que o simples fato de haver um “processo participativo” irá revelar e deslocar os interesses privados em prol do interesse público é fruto de um otimismo exacerbado ou da falta de compreensão das forças opressoras que o Capital engendra.
O Capítulo 3 toma o desenho como peça fundamental para evidenciar as contradições entre os distintos grupos sociais e possibilitar o entendimento do processo de construção e transformação do território de maneira a instigar nas práticas profissional e política dos arquitetos urbanistas a consciência dos valores que estão em jogo ao conceberem um espaço urbano.
A construção do lugar se faz por meio de diferentes escalas, ou, se quisermos, as formas urbanas são resultantes de processos que atingem territórios de diferentes dimensões. O entendimento desse conceito nas escolas de Arquitetura e Urbanismo é fundamental. No Capítulo 4, “Desenho, morfologia e planejamento”, são apresentados métodos de análise aplicados em diferentes escalas em exemplos concretos da prática profissional e em processos de pesquisa acadêmica. O desenho delimita hipóteses de recortes em diferentes escalas, que são ajustadas, revistas, abandonadas, transformadas à medida que os dados se apresentam. O desenho registra e faz indagações num processo constante de produção do conhecimento.
Finalmente no Capítulo 5, “Desenho no Ensino do Planejamento” apresenta-se uma prática de ensino desenvolvida na disciplina de Planejamento Urbano e Regional da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU/PUC-Campinas). O desafio é possibilitar pela experimentação a percepção de que as cidades são resultantes de disputa em que as próprias argumentações técnicas levam a ações contraditórias. O desenho é o mediador das relações estabelecidas em sala de aula. Os desenhos dos diferentes grupos sociais representados pelas equipes apontam ações e revelam contradições, enquanto um outro desenho, fruto dos embates, vai consolidando o território. O desenho é tomado como instrumento que provoca, propõe e revela posturas e interesses.
Nas Considerações finais se faz uma breve síntese das abordagens e abre-se para o leitor a possibilidade de dar continuidade no lidar com o desenho de outras maneiras, não abordadas por esta publicação. Espera-se contribuir com o entendimento do significado do desenho para o arquiteto urbanista de forma que seu papel social fique também claro para a sociedade. Desenho como idioma de um pensar arquitetônico e urbanístico.